quarta-feira, 26 de março de 2008

Édson Luiz:quarenta anos dia 29/03-Clevane Pessoa



Nos Anos 60, tudo era proibido.

Lembro-me de estar no ônibus com meu amigo Claudio Augusto de Miranda Sá (Karl),a quem conhecera no Núcleo Mineiro de Escritores (NUME), ao qual eu pertencia e para onde ia após a jornal na Gazeta Comercial de Juiz de Fora.Ele mencionou, baixíssimo, a palavra "Calabouço".Eu apertei-lhe o braço, compreendendo pelo seu olhar grave, que algo ocorrera.

Hoje , ouvimos mil pessoas falar de tudo, a um celular.
Àquela época,sussurrávamos, muitas vezes.Por exemplo, na Galeria de Arte Celina, da Família bracher, onde perambulavam os que ,escondidos, não tinham onde se esconder.Muitas vezes, cheguei em casa de meus pais com alguns para almoçar ou jantar, higienizar-se.

Mamãe, sorrisão no rosto, punha mais pratos à mesa.Nem eu, perguntava a eles cousa alguma.Não diriam , havia umas normas implícitas de um proteger o outro.
Eu não era uma "subversiva' de ações, porque respeitava meu pai, militar.
Esse, fôra para a reserva, Tenente, mesmo com curso até Major.Mal a "revolução" começara, fôra promovido.Saiu.Minha mãe não entendia.Os amigos não.Tenho muito orgulho dele não ter compactuado.Aliás, jamais teve perfil de militar.Era telegrafista.Ficava no seu canto, recebendo e transmitindo "rádios"
- e bastava aparecer uma vaga, que, aventureiro, contava a minha mãe e perguntava se podia pedir transferência.Ela adorava.Nós também.Muitos colégios, muitas paisagens e sotaques.Tantos brasis!Foi assim que morei na fronteira com a Colômbia, Bogotá.Na Ilha de Fernando de Noronha, de onde vim para Juiz de Fora e completei sete anos...

Volto a Karl.Eu entrevistava um trovador (o pessoal do NUME era da UBT,que eu presidia e era da UTB -União de Trovadores de bar-exceto eu,novinha ,às vezes noivinha,que não bebia), quando uma sombra cobriu o papel sobre a mesa.Olhei para a cima e deparei-me com Claudio, quase dois metros, cabelos louros compridos até aos ombros, olhos felinos estreitos, azul-esverdeados.
Ele riu, perguntou-me o que fazia,mineiro de sotaque nordestino porque vinha de Recife.Ele era artista plástica e escrvia versos bissextos.Entrevistei-o.

Daí para frente, amigos, uns laivos de paixonite, fizemos mil entrevistas e reportagens , driblando a pressão vigente.

mais tarde, um outro colega contou-me que o Édison Luís, um estudante paraense, fôra morto no calabouço.Falava baixo, emocionado.O rapaz não era de nehuma frente isso ou aquilo antimilitarismo.
Era um estudante que saíra de seu Norte, da porta da Amamzônia, a terra da castanha, para estudar.
Nós, jovens da época, ficamos revoltados, mas quase em silêncio-somente os ativistas ousavam falar alto, além dos donos do poder.E haja poesia.E haja canções.E haja mensagens camufladas.
Em Belo Horizonte, Na Nona Semana de Comunicação-"Vestígios", fui falar sobre repressão para os os estudantes da PUC Coração Eucarístico, com outras pessoas, inclusive uma da Policia Militar, e Representantes dos Direitos Humanos.
De Poeta, Wagner Torres e eu.

Pedi à poetisa Maria Queiroz (mineira de Mariana , que também morou em Juiz de Fora), também compositora, que gravasse umas fitas para a ocasião, com músicas que foram censuradas.Ela possui uma bela coleção.

Passei uns momentos, mostrando aos estudantes porque certas letras, aparentemente meras ,ingênuas, eram proibidas ou cortadas:os cultores da palavra e do verbo poético, usavam metáforas, metonímias, para ,simplesmente, dizer.Filmes mutilados, textos capengas, pela famosa "tesoura" dos censores.Mas , ainda assim e sobretudo, o Poeta tinha voz.E, se morria, seus versos eram repetidos.

Acontecia que , na redação da Gazeta Comercial , em Juiz de Fora,onde eu trabalhava,subiu a velha escada de madeira escura,um senhor novo, mas de cabelos grisalhos, simpático e com um meio sorriso.Abria a maletinha e ia tirando os livros "proibidos".A editora chava-se "Coordenada Editora de Brasília".Livros de erotismo também o eram , então, depois do Kama Sutra, do Marquês de Sade e Masoch(que eu li escondido, porque lia tudo que podia, principalmente), um volume pequeno e com umas cem páginas, me foi apresentado.O senhor não dizia uma palavra.Eu olhei bem nos olhos e ele fez um pequeno gesto de cabeça, que respondi aquiescendo.Ele estendeu a mão e o livro passou à minha.Depois, para a gaveta.Então, ele, ainda calado, fechou a maletinha de couro, sorriu levemente e se retirou.O livro era "O Menino de Belém".Com fotos do Calabouço.As imagens de Edson Luiz de Lima Souto.Menino mortomatado

Durante muitos anos, tive esse livros e outros proibidos debaixo do colchão.Minha mãe deve tê-los encontrados.Um dia, meu pai disse que eu me livrasse deles.Achei estranho, pois ele me ensinara a amar os livros desde menininha-e era o presente que mais eu recebia.Mas entendi logo:eu corría riscos.
Depois disso, abri uma "passagem" a tesoura - e coloquei os proibidos lá no meio do colchão.
Eu mesma fazia a minha cama.Depois de um tempo, às vezes sentia sob o corpo a presença daquelas histórias.As pornográficas, as revistas da corajosa Editora Civilização Brasileira-que reportavam os movimentos dos artistas, no Rio, principalmente-e a história do menino de Belém.Do Pará.
Afundava-os com o pé e voltava a dormir, para sonhar com a censura...Ou melhor, ter pesadelos, eu que assinava uma crônica diária e estava por todo canto fazendo coberturas jornalísticas, a driblar, despistar o censor.

Há 40 anjos, um quase menino estudante, despertava o Brasil para a desnecessidade de mortes vãs,das desculpas de acabar com a "subversão".Morria à toa e o país entrou em comoção.Os jovens não morriam tanto quanto hoje.Quase um insulto, matar os filhos da Pátria em nome dela.Matar um filho de sua mãe.Filho.

O Calabouço era um famoso ponto de encontro de estudantes e poetas, no Rio,entre outros igualmente na mira do verde-fungo.Cumpriu o feio fadário de seu nome.Virou um símbolo do chumbo que escorria lento sobre nossas cabeças.

Clevane Pessoa de Araújo Lopes

Belo Horizonte, 29/03/2008

Leia também o depoimento do Professor LUIZ LYRIO, autor de "Nos idos de 68", ANOMELIVROS:
o texto na íntegra está no blog www.lyr.myblog.com.br


Menino mortomatado
silenciopleno
coartado
debaixo da bandeira
verdeamarelaazulebranca.
"Salve ó lindo pendão da esperança
salve símbolo augusto da paz".
Cantou o hino na escola?
Os que não falam com a boca,
aplaudem-te, não à tua morte,
-porque as mãos
também têm voz.
As mães têm voz.
Os que não falam com a boca,
batem os pés.
As mães choram.
os estudantes
se entreolham.
os corações batem
descompassados.
Descompensados.

Morre o menino de Belém.Do Pará.
"Tomou açaí,não sai mais daqui",
dizem aos turistas.Não ficou.
Tomou,desde pequeno.
Mas veio para o Rio de Janeiro.
Para estudar.
Agora, a mancha de sangue
lembra a todos o açaí
de tua terra natal.

O esperado silêncio.
Algas verdes entopem gargantas.
O medo .

O Calabouço
era um famoso
ponto de encontro
de estudantes e poetas,
no Rio,entre outros
igualmente na mira do verde-fungo.
Cumpriu o feio fadário de seu nome.
Virou um símbolo do chumbo
que escorria lento
sobre nossas cabeças

Clevane Pessoa de Araújo Lopes

Poeta Honoris causa pelo CBLP

Diretora Regional do InBRasCi em BH/MG
Cônsul de Poetas del Mundo.














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