quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

"Inventa rio", de Heitor de Pedra Azul sobre texto de Brenda, et reminiscências:Robero Medeiros, Zé Carlos de Lery Guimarães, Waldo Vergara Rojas.



A poeta e jornalista Brenda Mars escreveu a cônica "Inventário de Geladeira, que ontem aqui postei.
Heitor de Pedra Azul,o amigo "THÔ" músico , Poeta, escritor mineiro da cidade que está em seu nome e mora em Troyers, na França, responde com um poema que a complementa.E,na barra de "assunto" do e-mail, ainda coloca uma lúdico jogo de palavras com o título:

"Inventa rio
e Gela a eira"

Adorei:essa atividade de trabalhar palavras é uma de minhas prediletas, desde a Infância.Ia por uma cidade qualquer das muitas por onde passei, lia os layouts e divertia-me reinventando as palavras, lendo de trás para frente e montando novos vocábulos a partir de um.Jovem, pertencia ao NUME (NÚCLEO MINEIRO de ESCRITORES) em Juiz de Fora e um dia criei coragem e mostrei ao apurado sonetista e trovador Hegel Pontes, um de meus poemas concretos assim trabalhados.Ele olhou e disse que eu continuasse, pois era algo muito peculiar à minha percepção da forma poética.De qualquer forma, cumpre lembrar que eu não tinha dúvidas,com a pretensão da juventude à toda - apenas queria compartilhar e ele era o máximo em matéria de precisão poética e da seriedade.

Interessante que, nessa mesma época, quando eu já não tinha tanto tempo de ficar lendo as palavras de trás para frente,todo o tempo, porque lecionava, trabalhava na Gazeta Comercial (cronista, repórter, editora de arte e literatura),descobri duas outras pessoas que faziam o mesmo.Eu,para mim mesma, em pensamento.Eles, em voz alta.
Eu trabalhava no escritório do Dr. José de Castro ,onde convivia com Roberto Medeiros,advogado e também poeta,trovador .Lá,ouvia, todas as tardes, José Carlos de Lery Guimarães, ensaiando com a bela e poderosa voz de radialista, o poema "LENIRA", de Roberto, para o renomado Festival de Poesia Falada de Niterói,RJ.

Ainda o ouço, andando de um lado para outro, enquanto decorava os versos do longo poema:

"Lenira veio do mar,do balanço das ondas beijando a areia."

A memória tem desses sacos de capturar borboletas.Talvez algumas delas depois quedem-se estatíticas em caixas com vidro, quadros de adorno ou mostruários científicos.Ainda assim , disponíveis em algum momento . Mas muitas poderão fugir, lépidas lepdopteras, pelos vãos da rede ou a subir em espiral para a larga boca que lhe mostra o céu.Assim as lembranças.
No Curso de Atualização Cultural de D.Ivanir Carvalho ,neste ano a completar vinte anos de resistência e utilidade (*), onde costumo das palestras para mulheres, as idosas lembram sempre de alguns versos ou poema ,de canção de roda,aprendidos (apreendidos?) na infância, na adolescência.D.América, velhinha linda de aspecto frágil, que aparecia toda enfeitada , com leves vestidos de festa,cuidada pela filha dedicada,sofre terríveis lacunas na memória imediata, na mediata.Mas a memória retrógrada é perfeita:passo bons minutos conversando com ela.Em dado momento, levanta-se e declama longos poemas.Mas pede licença ,para a Poesia ser trazida em fecho de ouro.Olho-a e não vejo o rosto enrugado, mas a mocinha que foi, declamando a vibrar.
Adora os aplausos.Os olhinhos se acendem,velas festivas de prazer.
Depois, entrega-me um cartão artesanal, que ela faz e assina em técnica de
colagem .Conta-me com a voz trêmula- que há pouco ressoava em versos- que não arranca folhas e flores, mas apanha as que caem naturalmente desidratadas, sobre uma pequena mesa em sua casa...

Leila Miccolis noutro dia avisou-me que postaria, em Blocos on Line, um de meus haikais:

Idosos são belos:
as ricas sedas plissadas
não perdem a luz.

Pois, quando comecei a frequentar o Núcleo Mineiro de Escritores e convivi com José Carlos de Lery Guimarães , com o Alvinho e sua esposa Dirce (na verdade, estes iam pouco por lá, pois tinham um bar, o Alvinho's),assistia-os, divertida, a falarem de trás para frente.José Carlos, vozeirão firme, prestava um átimo de ação em algo que escrevíamos em um papel, e dizia-a, rápidamente, enquanto, perplexos, conferíamos com o dedo avançando sobre as letras ...Dirce, então, era imbatívil em frases imensas , ditas dessa forma, enquanto se encostava, lânguida e sorridente , ao marido.Ríamos e aplaudíamos, escrevíamos novos desafios e nunca os vi perderem a seqüência ou errarem.

Noutro dia, recebi, pelo Site do Escritor, no Recanto das Letras, um e-mail gentil de uma das filhas de Zé Carlos, contando que lera o que eu escrevi sobre seu pai em algum lugar da Internet . E, na semana da passada, achei um velho álbum com fotos dos Anos 60 e encontrei uma festa onde oferecemos uma grande festa para as crianças do PEP e seus familiares,Vânia Bicalho e eu.

O PEP era o Plano Especial de Pediatria do ex-INAMPS, onde o Dr.Waldo Vergara Rojas ,pediatra especializado em desnutrição, transformava os pequeninos magrinhos, pálidos, com ralos cabelos e boquinhas descoradas,de pouquíssimo peso que ali chegavam ,em crianças nutridas, coradas,alegres.Mas as mães não vão sozinhas às consultas, levam a filharada.E assim, principalemnte nessa festa, que prometia presentes e lanches, à custa de centenas de doações, distribuimos alegria à família inteira.

Em cada pacote ,"sorteado", na verdade, havia um pequeno papel, onde escrevíamos, às vezes o nome daquela criança, com roupas de tamanho adeqüado, brinquedos, sobretudo, porque Natal é festa de brincar e às vezes, a descrição da peça, o que nos salvou, pois apareceram muitas crianças, de manos a vizinhos dos inscritos.Claro, para nos fazermos ouvir à hora da festa, convidei o Zé Carlos e lá se foi ele, tendo aquiescido de imediato, com aquelea sua maneira bonita de amar o bem social.Líamos baixo para ele ,depois de tirar de uma caixa, o nome, que tinha de ter tudo a ver com o pacote doado aos "agraciados " ou da família .E ele chamava, enchendo a sala apinhada naquela tarde quente de dezembro mineiro, com a voz privilegiada, o sorriso, a empatia, a simpatia natural.

Sempro penso que os Poetas devem exercer a poética sociual, pois nos é dado um grau a mais pelo menos de consciência sobre Paz, Solidariedade, ecologia em sentido lato.

Ganhamos muitos brinquedos usados e os lavamos, vestimos, restauramos, durante mais ou menos um mês.Eu jamais suportei ser apenas uma funcionária "burocrática".Por onde passava,nas capitais onde morei, criava uma porção de ações, para beneficiar os carentes e driblar a assitência precária muitas vezes.Mas o PEP era um sucesso.Depois, acusado de paternalismo,por burocratas insensíveis ou insensatos, acabou abruptamente.Mas "vi",pelo menos no setor de pediatria do INAMPS, onde eu era funcionária e também estagiava com meu então guru, Waldo Vergara Rojas, boliviano naturalizado brasileiro, médico de meu próprio filho Alessandro.À Psicologia que escolhera por profissão, associava a pediatria aoio vivo daquele médico maravilhoso,que salvou muitos brasileiros da inanição, da morte.Ainda mais que ele escreveu um livro sobre subnutrição e eu o revisei ,atenta e emocionada,para ele, que em gratidão, colocou na abertura duas de minhas trovas sobre a fome.E eu, numa gratidão ainda maior pelo que aprendi, pintei para ele duas telas a óleo, no mesmo tema.
Bons tempos.
É, a velha associação de idéias freudiana nos leva longe...

Clevane Pessoa de Araújo Lopes

Belo Horizonte, MG

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O e-mail de Heitor, com o poema:



Sarava!



As
g
o
t
a
s
ca
em
sôbre o nada colorido,
deixando a melancolia
do lado de fora.
As gotas
que cairão amanhã
nunca serão as mesmas
G
o
t
a
s
que
ca
i
ram
a
g
o
r
a

Beijos
Thô

----- Message d'origine ----
De : clevane pessoa de araújo lopes
À : Brenda Marques Pena
Envoyé le : Mardi, 26 Février 2008, 21h32mn 44s
Objet : "Inventário de Geladeira de Fim de Ano"(Brenda Mars)

Ei, Brenda:

Gostei de ver o quanto sua sensibilidade alcança uma realidade, a minha , tão distante da sua naquele momento, prestes a se casar...
Já que me ofereceu (pelo que agradeço muito), postei em meu blog ACHAMARTE.(...)
Achei espantoso vc , com palabras poucas, mostrar um tão amplo leque de significados.
carinho:
Clevane

.

2 comentários:

Heitor de Pedra Azul disse...

Sarava!
De gôta
em gotico
a Gata
ganhou
garras.
Arranha.
Aranha
tece...
entardece,
sol entre
arvorêdos pelados.
Metem mêdo
no fim do dia.
Azia...
Beijos
Thô

Kalaari disse...

É sempre do passado o mesmo incenso
Qu'envolve o presente
Em luto intenso.
É sempre no meu peito
A mesma garra
Este tédio, este andar
Sem uma amarra.
É sempre em cada dia
A escura noite
Sempre dentro de mim, amarga essência
Porque o sempre, do meu sempre,
É a tua ausência.